Exemplo no trato
Uma palavra que desde muito cedo me chamou a atenção e permanece gravada na minha memória é 1 Timóteo 4:12:
Ninguém despreze a tua mocidade; mas sê o exemplo dos fiéis, na palavra, no trato, no amor, no espírito, na fé, na pureza.
Por tratar-se de uma carta aberta, Paulo está dizendo às pessoas à volta de Timóteo: respeitem-no. E a Timóteo: faça por merecer tal respeito.
Um dos aspectos que sempre achei curioso foi “o trato“. No caso, é a forma de se relacionar com as pessoas: como tratá-las. Também pode referir-se à maneira de se portar, o que também não deixa de estar relacionado à forma como você lida com as pessoas à sua volta. No grego, “αναστροφη”, também refere-se à mudança de comportamento causada por uma mudança no interior da pessoa.
“O trato” pode ser um assunto difícil para muita gente. Eu, por exemplo, sou um dos que sofrem um pouco com isso.
Nos meus primeiros anos como programador, eu tinha que comunicar-me diretamente com alguns clientes. E eu não entendia por que comentavam com a chefia que eu era “meio grosseiro“. A comunicação com eles ocorria mais ou menos dessa forma:
Bom dia, Cléber. O formulário de contato do site está com um erro. Poderia dar uma olhada? Obrigado.
Eu passava um tempo resolvendo o problema e respondia:
Resolvido.
Simples assim. Hoje eu dou risada ao lembrar, mas é curioso como as pessoas se impressionam com tão pouco. Esse tipo de resposta fazia de mim um “cara grosseiro”. Eu demorei um tempo para descobrir que é sábio “florear” a resposta:
Oi, Fulano. Tudo certo? Eu dei uma olhada no formulário de contato e, de fato, estava apresentando erro. Mas agora já está corrigido. Se houver qualquer outro problema, fique à vontade para entrar em contato.
Eu sempre achei todo esse palavrório um exagero, mas, enfim, o que é exagero para mim, parece ser “o básico” para muitas pessoas.
O fato é: a forma como você relaciona-se com as pessoas pode render-lhe aliados ou inimigos. No caso desses antigos clientes, que recebiam um mero “resolvido” como resposta, imagino que, se pudessem escolher, nunca mais comunicariam comigo qualquer necessidade deles.
Assim, minha sugestão é: capriche no trato e ganhe sempre aliados. Não por egoísmo ou como que para tirar proveito próprio, mas porque pessoas tem um valor imensurável na carreira profissional e na vida. Elas não são “um degrau a mais” na sua “escalada em direção à vitória”: elas são a base, o fundamento sobre o qual você poderá construir as pequenas e grandes coisas. As pessoas à sua volta não são “um plus”: você precisa delas para sobreviver. Não são o exercício na academia, mas o arroz e feijão da vida.
Mas como posso melhorar meu relacionamento com os outros? Apenas melhorando minhas respostas no e-mail? Bem, acredito que posso dar mais algumas dicas, que são:
Esteja pronto a servir
Não importa a posição que você ocupe. Você é o dono de uma grande empresa? Esteja pronto a servir. É seu primeiro emprego? Esteja pronto a servir.
Você se importa se eu citar a Bíblia novamente?
Roboão, filho de Salomão, herdava o reino de Israel no auge do seu esplendor. E já no começo de seu reinado, o povo foi até ele pedir que lhe “aliviasse o jugo” imposto por Salomão (basicamente, trabalho e impostos). Então…
Teve o rei Roboão conselho com os anciãos que estiveram na presença de Salomão, seu pai, quando este ainda vivia, dizendo: Como aconselhais vós que se responda a este povo? E eles lhe falaram, dizendo: Se hoje fores servo deste povo, e o servires, e respondendo-lhe, lhe falares boas palavras, todos os dias serão teus servos.
Não é curioso o conselho dos anciãos? Eles eram sábios e aconselharam que o rei servisse o povo. Eu acredito que esse conselho sirva, também, para nós que, afinal, nem somos reis de coisa alguma.
Mas como servir? A necessidade mais básica é livrar-se do egoísmo. Se você quer ajudar alguém, o mínimo que pode lhe dar é tempo. E esse tempo investido em outrem sai de algum lugar: o tempo que seria investido em você. Quem é obcecado por si próprio jamais conseguirá servir os outros.
Você faz parte de um time e tem a seguinte decisão na mão: entregar o seu trabalho agora ou gastar mais uma hora fazendo algo que não lhe foi pedido, que não é sua obrigação, mas que você sabe que beneficiará outros mais pra frente. O que você escolhe?
Não limite-se à sua obrigação!
Mas não seja intrometido
Tentar resolver o problema de todo mundo é, na verdade, uma forma de desvalorizar as pessoas à sua volta. Você passa, de certa forma, a mensagem de que só você é quem sabe fazer as coisas direito e que todos os outros são incompetentes.
Não fique metendo o nariz onde não é chamado. Aprenda a respeitar limites.
É claro: o equilíbrio entre estar pronto a servir e não ser intrometido é um objetivo que pode ser difícil de ser alcançado. Mas todos podemos nos esforçar para chegar no ponto de saber intervir na hora certa e de saber dar um passo para trás e deixar que outras pessoas vençam seus próprios desafios.
Eu, pessoalmente, tomo muito cuidado na hora de dar conselhos ou indicar a direção certa para alguém. Pessoas diferentes reagem de maneiras diferentes a esse tipo de situação. Alguns são abertos à opinião alheia, outros são desconfiados e podem encarar isso como uma espécie de diminuição pessoal.
Nessa hora, aquela “floreada” pode vir bem a calhar:
Não quero ser intrometido, mas, enfim, acredito que um ponto de vista de alguém de fora pode ser interessante. Me corrija, por favor, se eu estiver dizendo uma besteira, mas não seria interessante se…
Muito cuidado com expressões como “não é melhor fazer assim?” ou “por que você não faz desse jeito?”. Especialmente o “por que você não…”! É muito fácil acabar criando uma resposta implícita no ponto de vista alheio, como “na verdade, ele quer dizer que eu não faço assim porque não sou tão competente ou inteligente!”. E você não quer isso.
Aprenda a escutar
Alguns tem essa habilidade, outros não. Mas todos devem buscá-la. É extremamente desagradável falar com alguém que simplesmente ignora tudo o que você diz.
Não importa se seu colega está dando uma ideia que já foi debatida dezenas de vezes no ano passado. Ouça novamente ou, pelo menos, se sentir-se obrigado a cortá-lo no meio de uma frase (por motivos de tempo, por exemplo), aprenda a dizer:
Desculpe-me interrompê-lo. Essa ideia até é interessante, tanto que foi debatida várias vezes no ano passado. O problema com ela, conforme vimos, é esse, esse e aquele.
Ademais, procure se importar com quem está com a “ideia atrasada”. Talvez seu colega não tenha se convencido. Converse com ele, com paciência, e esteja pronto a sanar suas dúvidas.
Desenvolva sua própria inteligência emocional
As pessoas reagem de maneiras impulsivas a determinados estímulos e isso nem sempre parece fazer qualquer sentido. Mas cada um tem sua história. Se você se ofende fácil com qualquer coisa, ficará ofendido com todos à sua volta. Todos tem alguma esquisitice e, a não ser que você queira morar numa ilha deserta, é bom aprender a lidar com isso.
Nem toda grosseria significa ódio. Nem toda resposta “seca” significa desprezo. Nem toda atitude deselegante é planejada.
As pessoas farão ou dirão coisas que você não esperava, não porque tenham algo contra você, mas simplesmente porque tem anos de história própria, com suas famílias, com seus amigos, com seus cônjuges, com seus filhos, com seus vizinhos e com seus cães e gatos e peixes e iguanas e algum estímulo, por mais inocente que seja, vindo da sua parte (uma palavra, uma gíria, um gesto ou um espirro esquisito) acionou um “gatilho psicológico” difícil de explicar.
Pessoas são complicadas. Lide com isso.
Ache uma boa fonte de feedback
Há pessoas que estão sempre dispostas a lhe dizer que “você pareceu grosseiro” ou “acho que aquilo foi desnecessário”. Pode ser um tanto irritante ouvir esse tipo de coisa, mas, por outro lado, pode servir como um feedback importante. Novamente: aprenda a ouvir.
E, claro, procure dar preferência ao feedback de quem já apresenta um bom trato.
Mas e as pessoas más?
Nesse mundo há gente que é simplesmente perversa e você pode se perguntar: é bom esse tipo de gente ser uma aliada minha?
A definição de “mau” é complexa, mas há, de fato, pessoas à nossa volta que, independente da complexidade da definição, são simplesmente desprezíveis. Nesses casos, eu recomendo trabalhar-se a arte da manipulação. Mas isso já é assunto para outro post…
Este artigo foi escrito originalmente em 22/08/2016.