O Medium e a Estrela da Morte
Sempre achei o modelo de negócios do Medium a própria receita do fracasso: vender gelo para esquimós. O que me levaria a pagar para ler algum artigo quando vivo num mundo com milhões de vezes mais artigos do que é possível um ser humano ler, a respeito de todos os assuntos imagináveis?
“Ah, não pago para usar o Medium, agora ficarei sem saber como construir minha marca pessoal sem gastar dinheiro…”
O site até te permite ler um punhado desses artigos antes de te impedir de ler outros. E, para quem ainda não reparou, os artigos atrás do “muro de pagamento” são marcados com aquela estrela logo após o “18 min read”, que eu chamo de Estrela da Morte, pois ela acaba marcando, basicamente, a morte do artigo.
Existe até uma extensão para Firefox chamada “Medium Free” que serve para eliminar da listagem os artigos pagos:
(Usei por muito tempo e funciona bem.)
Blogar versus escrever artigos
O Medium foi, certamente, um grande acerto por parte de seus idealizadores, e pouca gente tem falado da grande inovação apresentada sem que ninguém realmente percebesse com clareza: foi trazido à tona um novo nicho, que ou não existia ou vivia sufocado no meio de outro, completamente diferente, que é o nicho da “blogosfera”.
A palavra “blog” tem como origem o “web log”, ou “registro na web”, que seria uma espécie de diário virtual público que uma pessoa manteria, como uma “linha do tempo” própria, antes mesmo de as redes sociais “orientadas a timeline” ganharem a força que tem hoje. E a mentalidade por trás de um blog é diferente da que hoje move o Medium e sites similares. No blog as coisas tendem a ser mais pessoais e menos “editoriais”, digamos assim.
Não que seja impossível, impróprio ou mesmo incomum manter um blog com a ideia de escrever artigos mais parrudos. A questão que trago, aqui, é que há, de fato, duas mentalidades distintas, quais sejam, “blogar” e “escrever artigos”, e estas duas acabavam misturando-se com pouca distinção uma vez que as ferramentas e plataformas que serviam para um propósito acabavam servindo também para outro, de forma que a amálgama de ambas acabava servindo para preterir um pouco o “escrever artigos”.
Sim, a linha é muitíssimo tênue, mas um experimento mental interessante é tentar trazer para dentro do Medium um “blogueiro” tradicional e perceber que as coisas funcionam de maneira distinta, aqui, e que o conceito de blog não se traduz automaticamente para uma Publicação do Medium.
Logo, essa foi a grande jogada do Medium, a meu ver: focar em escrever e ler artigos e não em tentar ser uma plataforma de blogging.
Além disso, escrever no Medium é uma experiência muito boa. Navegar por ele, especialmente no começo, era extremamente agradável.
“Temos API”
Mas o que me fez vir de vez para cá foi a promessa de que “temos uma API”. Tendo já migrado de diversas plataformas para diversas outras, conseguir extrair todos os meus artigos de maneira sã era uma grande necessidade.
Todavia, não passava de uma grande mentira. A API do Medium é um lixo e não há um endpoint específico para baixar seus próprios artigos em formato decente, tendo-se que recorrer a tricks mal costurados sobre o feed RSS. Enviar um artigo via API é mais tranquilo, mas é muito difícil conseguir fugir de ainda precisar abrir o editor e corrigir um problema ou outro de formatação.
E esse foi o primeiro grande desrespeito do Medium. Eu entrei achando que não ficaria preso. E, no fim das contas, deu bastante trabalho salvar em outro lugar todos os meus artigos.
Outros problemas
Mão de ferro em potencial
Por algum tempo, inclusive, rolou uma conversa de que a equipe por trás da plataforma tentaria colaborar com a melhoria do mundo (olha só) decidindo quais artigos eram bons e quais eram maus.
De acordo com quem?
De acordo com os californianos, claro.
Mas acabou que a moda do momento em questão passou e me parece que acabaram não implementando nada, mesmo.
Modelo de negócios bizarro
Nunca entendi como uma empresa esperta o suficiente para trazer o Medium à vida foi besta o bastante para tentar monetizar via paywall.
Eles ganham dinheiro? Provavelmente.
É um bom modelo de negócios? A meu ver, absolutamente não.
Futuro incerto
E esse modelo de negócios estranho, que inclusive me soa como uma medida desesperada (eu lembro que ficaram bastante tempo tentando decidir como monetizar a plataforma), me faz pensar que logo chegará o dia em que alguma “gigante” comprará o Medium e, a partir daí, sabe-se lá o que acontecerá com a plataforma.
Layout que não para quieto
PARA DE MEXER NO LAYOUT DO SITE, MEDIUM! Credo! Tá com formiga na bunda, que não para no lugar?
Palminhas
Antigamente havia um botão para indicar que você havia gostado de um artigo. E lá pelas tantas o Medium mudou para o sistema de palmas, com um algoritmo bizarro, extremamente duvidoso e, acima de tudo, meio inútil: a única diferença que existe, mesmo, é entre 50 palminhas e qualquer-coisa-menor-que-isso, algo que poderia ser feito meramente com uma ação “gostei” e outra “gostei muito, parabéns”.
Descentralizar não é a solução
Por algum tempo eu pensei que a solução para esses problemas estivesse em tecnologias de publicação descentralizadas. Mas hoje vejo que seria como usar um canhão para matar uma mosca. O problema não é o modelo cliente-servidor tão comumente usado, mas simplesmente a falta de respeito com o usuário e, especialmente, os modelos de negócios baseados em dados e propagandas.
Afinal, tratando-se da publicação de artigos, qual é o problema inerente dos modelos cliente-servidor? Apenas a possibilidade de o servidor sair do ar por qualquer motivo. O restante é tudo questão da atitude dos donos das plataformas. “Não ser dono do próprio conteúdo” não é um problema causado por limitações tecnológicas, mas simplesmente porque a equipe responsável resolveu que não implementaria um jeito simples para que os autores pudessem baixar seus conteúdos e mantê-los onde acharem melhor.
A solução, então, é simplesmente ter a atitude certa e respeitar os autores.
“Justiça com as próprias mãos”
Já me aventurei antes tentando criar uma alternativa viável e própria, mas acabei errando em alguns pontos cruciais (e jogando tudo fora). E isso é ótimo, porque dessa vez vou focar em cometer apenas erros novos.
Estou desenvolvendo uma plataforma alternativa novamente, dessa vez escorado em alguns princípios bem básicos:
- Respeitar o autor.
(Eu ia escrever mais itens, mas todos acabam sendo um desdobramento do primeiro.)
Num próximo artigo falarei mais a respeito. Até.
UPDATE: criei, usei e larguei mão, já. :–)
Este artigo foi escrito originalmente em 04/01/2021.