O preço ideal de um e-book

piracy wall

Ou: eu pirateio

Surge a pergunta: “qual é o preço de venda ideal de um e-book?”

E então nasce uma discussão e tanto, porque é fácil saber qual é o preço ideal para a venda de um e-book: é como qualquer outro produto e basta responder a algumas perguntas:

  1. É necessário algum equipamento especial para reproduzir o produto?
  2. É necessária alguma habilidade especial para reproduzir o produto?
  3. Qual é o limite de cópias que podem ser feitas?

Quando você baixa da internet um e-book você acabou de fazer uma cópia dele. Você não pagou a internet exclusivamente para baixar o dito cujo, nenhuma habilidade especial foi necessária além de mover o cursor de um mouse e dar um click ou meramente encostar o dedo na tela e nenhum equipamento especial foi usado além de um computador comum (desktop/laptop/handheld) com acesso comum à internet. Além disso, não há limite razoável de cópias: uma cópia ou mil cópias, tanto faz. Logo, o preço de um e-book qualquer deveria ser sempre zero.

E agora começa a discussão, “porque é óbvio que não pode ser zero”. Mas eu agora explico que pode, sim.

1- Escrever não é imprimir. Nem distribuir.

As pessoas em geral nunca pagaram para que um autor escrevesse um livro. Elas pagam para que uma editora imprima uma obra e faça a distribuição destas cópias impressas, de forma que um cidadão possa caminhar até uma livraria e ter um exemplar disponível para levar para casa. O preço, nesse caso, é justo, porque é um papel em gramatura adequada, com tinta adequada impresso em maquinário adequado, com as folhas devidamente unidas em um formato geralmente bem pensado e planejado, além de toda a logística de transporte e entrega, mais o custo dos funcionários da livraria e o armazenamento e cuidado do livro em si.

Da mesma forma, as pessoas em geral nunca pagaram para que músicos compusessem suas obras. As pessoas pagavam por cópias de mídia física que eram difíceis de se reproduzir por conta própria. Eu nunca conheci alguém que fizesse cópias de discos de vinil, por exemplo.

Quanto custa uma música de Johann Sebastian Bach? Um bom dinheiro! Bach trabalhou em vários lugares, mas o arranjo de trabalho era simples: ele recebia um salário e era encarregado tanto de compor quanto de interpretar músicas. Logo, a conta é simples: se eu pago mil reais por mês para o Bach e ele compõe 5 músicas nesse mês, cada música dele me custou 200 reais.

Mas quanto custa reproduzir uma música de Johann Sebastian Bach? Simples: o custo do meio. Se o meio é um organista, reproduzir uma música de Bach custa o valor que o organista cobrar. Se o meio é uma fita cassette, custa o tempo e energia necessários para botar a fita no “deque” do seu “som” e “dar o play”.

E quanto custa distribuir uma música de Johann Sebastian Bach? Simples: o custo de se fazer uma cópia. Se a cópia está na memória do organista, o custo é o quanto o organista cobrar. Se a cópia é um disco de vinil, é o custo do material e energia necessários para “carimbar” um vinil. Se a cópia é uma fita cassette, o material (outra fita cassette), o tempo (90 minutos?) e energia (elétrica, para o “duplo deque”) compõe o custo.

O mesmo se dá com os livros: quanto custa escrever um livro? O pagamento para o escritor. E quanto custa reproduzir um livro? O custo da cópia. E quanto custa distribuir um livro? O custo da cópia mais a logística de entrega.

1.2- Confusão de conceitos é o problema

As pessoas em geral associam imediatamente o trabalho necessário para se escrever um livro com o direito de exclusividade de distribuição e isso é um grande problema, pois transforma a maioria das discussões a respeito de valores de livros em um festival de estupidez. Se não houver essa separação de conceitos não há como discutir-se o assunto.

Veja: enquanto eu sou a favor que os autores, se assim o desejarem, sejam pagos para escrever livros, eu sou contra as leis que manipulam artificialmente o direito de reprodução e distribuição. E este pseudo-direito, por sua vez, é diferente dos direitos que eu considero naturais para um autor. Por exemplo: qualquer um deve poder copiar e distribuir qualquer obra minha. Entretanto, a cópia deve levar meu nome e deve ser exata e precisa — justamente porque leva o meu nome! Esse é um direito natural e que faz sentido.

Mas, pense bem: se eu escrevi algo e você leu o que eu escrevi, qual conceito natural impede você de fazer uma cópia do que acabou de ler? Ora, nenhum! Da mesma maneira que você pode citar trechos do meu discurso e dizer aos quatro ventos: “assim disse Cléber Zavadniak: bla-bla-bla-blá”.

Ora, se eu não posso impedir você de repetir as minhas palavras, por que eu teria o direito de impedir que você repetisse minhas palavras? (Ou seja: se você pode falar o que eu falei, atribuindo a autoria à minha pessoa, por que não poderia escrever o que eu escrevi, atribuindo a autoria à minha pessoa?)

2- Oferta e demanda

Os preços em uma economia livre baseiam-se, em maior ou menor medida, no conceito de “oferta e demanda”. Por exemplo: o valor do barril de petróleo no mundo varia de acordo com a taxa de extração. Havendo mais petróleo disponível, o preço do barril baixa, não por algum motivo artificial. O preço baixa naturalmente, porque há mais oferta.

Você sabia que os galeões espanhóis lotados de ouro da América causaram uma enorme inflação na Europa? Todos os preços subiram porque, de repente, o ouro já não era algo assim tão difícil de se encontrar.

Quando falamos de livros físicos é fácil ver a relação oferta/demanda em funcionamento, inclusive quando consideramos os custos de reprodução e distribuição: livros sem demanda suficiente para elevar os preços acima destes custos sequer são impressos! Há um limiar de custo que deve ser vencido para, no fim, haver lucro.

Outra demonstração da questão oferta versus demanda são os livros extremamente caros, que só o são porque o governo mantém leis sem sentido, como a que dá direito exclusivo de reprodução de uma obra. É justamente o oposto do exemplo anterior: se lá havia falta de demanda, que não justificava a produção, aqui há excesso de demanda, que não justifica a baixa oferta. Porque, afinal, se um livro custa 500 reais mas tem custo de produção de 50, é porque há uma forte demanda mas oferta pequena. Assim, se uma gráfica qualquer conseguisse imprimir o mesmo livro com custo 400 e vendesse a 450 já estaria lucrando. E, naturalmente, a editora que vendia a 500 teria a demanda diluída, de forma que teria que baixar seus preços também.

E quem ganha no final? Tanto o consumidor quanto as gráficas menores que “ousam” vender o mesmo livro por um preço menor.

3- “Mas o autor tem direito de lucrar com as vendas!”

Não, não tem. Considerar que é injusto um terceiro ganhar dinheiro com a venda de cópias de uma obra sua é como querer que as bandas de sucesso devolvam dinheiro às fábricas de instrumentos musicais. Você constrói uma guitarra e é pago por isso. Ponto. Acabou a relação comercial. Outro pega a sua guitarra e a usa para lucrar milhões. Se o luthier não tem do que reclamar, por que um autor de livros teria?

Ora, o autor é pago para escrever um livro. Nada mais justo. E, a partir do momento que o livro “ganha o mundo”, qualquer um deveria poder fazer cópias dele. Não há motivos para não ser assim!

Entretanto, vivemos em uma época em que (1) as pessoas não conseguem dissociar, em suas mentes, o (a) trabalho de se escrever uma obra do (b) trabalho de copiá-la e distribuí-la e (2) não é costume, curiosamente, que os autores sejam pagos pelo seu trabalho, mas sim pela venda de cópias do mesmo, apesar de serem conceitos completamente diferentes. É uma praxe baseada em conceitos errôneos.

A maioria das pessoas sequer consegue entender que, ao comprar um livro, está pagando pela cópia, não pela autoria da obra em si.

3.1- O dinheiro mal vai para o autor, mesmo…

Coisa que poucos sabem é que a maioria das grandes editoras dedica um percentual tão irrisório quanto menos de 5% do valor de uma cópia para o autor da obra. Ou seja: dos 30 reais que você paga por uma cópia, 20 vai para a editora (chute) e cerca de 1 real vai para o autor (outro chute).

E isso só reforça o que eu digo: você está pagando por cópias, não pela autoria. E esse percentual, mesmo que muito baixo, só existe porque as editoras precisam de algum poder de negociação para conseguir autores, já que elas não produzem conteúdo algum que seja vendável. Elas pegam um modelo de negociação (venda de cópias) e dedicam parte dos lucros a pagar outro modelo de negociação (pagar um autor para escrever um livro).

3.2- E são poucos autores que realmente ganham algum dinheiro

No fim das contas, o lucro mesmo acaba ficando com as editoras. O autor, para ganhar dinheiro mesmo, tem que vender muito. E o próprio “vender muito” já nasce com um desafio extra, pois muitos livros excelentes acabam nas gavetas dos editores, ignorados para sempre (sério, são muitos mesmo). A qualidade do livro sequer pode ser julgada pelo público, já que precisa passar pelo “gosto” do editor antes de ser aceito em uma grande editora — o que, veja bem, é absolutamente okay, pois ninguém é obrigado a fazer nada. Mas é o tipo de coisa que definitivamente não conta muitos pontos para o sistema de distribuição atual.

3.3- A distruibuição digital é muito diferente da distribuição física

Conseguir fazer centenas de exemplares do seu livro chegar às livrarias físicas é um trabalho e tanto. Há limitações óbvias e esse é o principal motivo pelo qual apenas um a cada mil ou mais livros é escolhido pelas editoras para ser impresso e distribuído. O número de prateleiras nas livrarias, por exemplo, é limitado.

O mesmo se dá para os LPs, as fitas cassette, os CDs, os DVDs e quaisquer mídias físicas.

Então é okay se um livro com tiragem limitada sendo distribuído entre milhares de livrarias custe algum valor maior que zero. Afinal, trazer aquele calhamaço de papel até a prateleira teve seu custo. Mas para distribuir um e-book, qual é o custo?

4- O modelo só se sustenta por causa do governo

Outra grande questão com relação ao preço ideal de um e-book é o fato de que a única coisa que faz com que uma editora ganhe algum dinheiro com a venda deles é o fato de que a legislação do país ainda sustenta esse pseudo-direito da exclusividade de distribuição.

Este modelo só é sustentável enquanto não chega o dia em que a internet (ou “a próxima internet”) volte a ser uma grande terra sem lei e sem dono. Por enquanto nós usamos enormes estruturas de cabos e roteadores que estão sob o controle dos governos mundiais estabelecidos, o que faz com que as desobediências civis necessárias à própria evolução da legislação e adequação à realidade atual do mundo sejam ainda relativamente fáceis de se inibir. É complicado você manter, hoje, um servidor de download de livros e músicas “piratas”. Mas chegará o dia em que todos estaremos conectados em uma grande rede sem fio ad-hoc baseada numa enorme rede de confiança e protegida pelo anonimato digital. Para esta nova realidade o modelo atual absolutamente não serve. É como o governo brasileiro tentando taxar o uso de Bitcoins! É um esforço vão.

Ou seja: tão breve a cópia de conteúdo seja algo absolutamente (ênfase nessa palavra: “absolutamente”) impossível de se inibir, nosso modelo atual de “exclusividade de distribuição”, que hoje já é ultrapassado, cairá em pedaços de uma vez por todas.

5- A nova moda do “eu não consumo produto pirata”

Novamente, confusão é o problema a ser vencido antes de haver uma discussão séria sobre isso.

Eu tenho visto, nos últimos anos, um crescimento do discurso “certinho” de “eu não consumo produtos piratas”. Mas há uma diferenciação muito importante entre “pirata” e “pirata” que raramente é explorada de maneira adequada.

5.1- Conceito versus coisa

Quando eu digo que sou contra o pseudo-direito de exclusividade de distribuição não estou dizendo que sou a favor de todo e qualquer tipo de “pirataria”. Há um limiar muito claro e fácil de distinguir entre o que eu considero absolutamente válido e o que realmente é errado.

Nem o governo nem a sociedade tem o direito de me impedir de reproduzir uma música ou copiar um livro, seja de que forma for. O governo detém o poder sobre a violência e fará uso dela se me pegar “pirateando”, mas isso não torna o processo realmente legítimo. Eu absolutamente discordo que haja qualquer forma não-absolutamente-artificial de “direito” de exclusividade de distribuição.

Quando um estudante “tira um xerox” de um livro acadêmico ele está pagando exatamente o preço que deveria pagar por aquela cópia de páginas mal configuradas e presas por uma “espiral de prástico” horrível, ainda com aquela “capinha” plástica para “dar uma disfarçada”. Sei que é ilegal, mas não considero errado. Acredito que é a lei que está errada. Se o estudante quiser uma cópia conforme impressa pela editora, — se ele acha que vale o preço pago para ter uma capa bonita, colorida e com as páginas numa configuração que faz sentido — okay, ele é livre para comprar. Mas, além de ser conceitualmente errado dar direito exclusivo de distribuição para uma editora, é ruim para os consumidores, pois faz com que o preço seja mais alto do que poderia ser — quando não faz com que livros simplesmente deixem de ser impressos e sumam das prateleiras!

Agora, quando alguém compra um “aparelho pirata” e, sem pagar nada para uma operadora de TV por assinatura, decodifica o sinal do satélite, isso eu considero errado. É errado porque, enquanto eu ainda considero que você tem todo o direito de gravar os programas da TV e montar sua própria distribuidora de conteúdo, seja lá de que forma isso se dê, decodificar um sinal que foi devidamente criptografado é como abrir uma fechadura com clips de papel: é um furto perfeitamente qualificado.

Todavia, se eu pago a operadora de TV por assinatura, como deveria ser, e então gravo os programas em DVD e vendo na esquina, isso para mim é perfeitamente correto. É contra a lei, mas eu não vejo problema algum: a lei é que está errada.

5.2- Mas e software? E jogos?

Aplica-se absolutamente a mesma regra: criar um aplicativo ou um jogo é uma coisa. Distribui-lo é outra. Entretanto, isso gera um enorme desconforto para mim simplesmente porque em hipótese alguma eu iria recomendar o uso de “software proprietário”. Sou adepto do software livre porque considero que ele sempre é ou pode ser superior. E se só existe software proprietário para executar determinada tarefa eu sou do tipo que não irá utilizá-lo e ainda escreverá um e-mail para a empresa que o produz dizendo “vosso software é muito bom, mas não vou usá-lo porque não é livre”.

Eu sou desenvolvedor, então tenho todo um “aparato filosófico” envolvendo a questão do software proprietário versus software livre. Então, se por um lado eu entendo que copiar um software e usá-lo pode até ser correto (mesmo que ilegal), eu não tenho a capacidade de apoiar tal coisa, não por outro motivo além de apoiar o desenvolvimento de software e comunidades livres.

5.3- E cracking? Pode?

Se envolve operações sendo executadas usando somente a capacidade de processamento pela qual você pagou, o espaço de armazenamento que é teu e a energia elétrica que você paga, não vejo problema algum. Mas não faça. Procure usar software livre. Ou não use nada, que é melhor.

Entretanto, eu nunca recomendo usar software “crackeado” dentro de empresas. Como ainda temos que lidar com o fardo governamental, nunca recomendo fazer nada que não seja perfeitamente legal nesse tipo de ambiente.

5.3.1- Parece injusto não pagar o desenvolvedor…

Parece injusto porque o sistema todo de recompensa pelo desenvolvimento do software é baseado em premissas erradas. Tratarei desse assunto no item 6.

6- Mas e os autores? Não perderiam o incentivo para escrever?

Se o modelo de exclusividade de distribuição morresse, isso não significaria que todos precisariam escrever livros ou compor músicas sem esperar retorno financeiro. As editoras, provavelmente, se uniriam em associações para pagar autores para escreverem. Elas, por sua vez, ganhariam dinheiro sendo as primeiras a oferecer as obras em seus catálogos.

Haveria mudanças e haveria novas soluções. Mas não seria o fim da indústria de livros. Absolutamente. Veja como o software livre vai de vento em popa: vender “software em caixinha” é um modelo morto, mas as pessoas ainda ganham dinheiro com sofware livre. Ainda há pessoas sendo pagas para desenvolver software que nunca será vendido, mas distribuído gratuitamente.

O mercado trabalha com demanda. Temos demanda de livros técnicos? Então alguém pagará para serem escritos livros técnicos. Temos demanda de romancinhos de banca? Então alguém pagará para serem escritos romancinhos de banca. Simples assim. Havendo demanda, alguém será pago para supri-la com oferta.

No fim das contas, acredito que nem mesmo as editoras sairiam perdendo. Porque se por um lado elas perdem a exclusividade de distribuição dos “seus” conteúdos, ganham a possibilidade de distribuição de conteúdos “de terceiros” e uma coisa acaba balanceando a outra.

6.1- Um modelo mais inteligente

Outra coisa interessante desse modelo isento de exclusividade de distribuição é “o xerox da faculdade” tornando-se um modelo de negócios de verdade: no fim das contas, os alunos abrem mão com alegria da capa colorida e páginas em “formato de livro” se o preço for muito menor. Assim, enquanto as grandes editoras choramingam por perder a exclusividade, gráficas menores passam a sustentar-se baseando-se na oferta de um produto mais adequado aos seus clientes: menor preço e menor qualidade.

E quem pode pagar mais também é contemplado: podem surgir editoras especializadas em “livros de luxo”, que podem oferecer todo o catálogo, digamos, de uma biblioteca de Direito, com capa, estilo e papel padronizados (mesmo tamanho, mesma cor, mesmos materiais). Hoje isso é praticamente impossível! E uma distribuição desse tipo evidenciaria uma mudança de mentalidade: comprar-se-ia mais o serviço do que o conteúdo. O cliente não é obrigado a comprar uma composição específica de cópia de uma obra, mas pode escolher a editora ou gráfica que lhe entregue o que lhe é melhor: livros compactos? Capas de couro? Livros extremamente baratos? Tudo em papel reciclável? O cliente escolhe!

6.2- Toda pessoa é uma editora

E então, eliminando-se a exclusividade de distribuição de conteúdo, toda pessoa acaba tornando-se uma editora — se não para os outros, pelo menos para si mesma. E retornamos à pergunta feita inicialmente: qual é o preço ideal de um e-book? Se a demanda é finita e a oferta é [ou tende a] infinita, o preço só pode ser zero. E todo e-book deveria ser gratuito.

6.3- Chaves no Netflix

Mas termos preço zero como padrão para e-books também não será o fim do mundo. Veja só: muita gente paga serviços de streaming só para assistir Chaves e Chapolim, os programas mais antigos da TV aberta brasileira, quando bem entender. Os episódios completos do Chaves estão até no Youtube — e em boa qualidade!

Nem sempre assinamos um serviço por querer exclusividade de conteúdo. Inclusive a própria internet torna esse conceito estranho: você consegue baixar seus filmes, músicas e séries de diversos lugares. O que se vende em serviços de streaming é menos o conteúdo e mais a praticidade: tudo está reunido em um só lugar, bem catalogado, com sugestões de outros conteúdos, qualificações, etc. Quem trocou a coleção de MP3 pelo Spotify ou similares que o diga: você até tinha todas as músicas que queria ouvir, mas esses serviços te oferecem praticidade — que é pelo que você está pagando.

Com o fim da exclusividade de distribuição, as editoras teriam que migrar para um modelo semelhante: você até pode conseguir seus livros em qualquer outro lugar, “mas só com o serviço X da editora Y você terá toda a praticidade ou outra necessidade que você tanto quer suprir”.

6.4- Software em caixinha

Por motivos didáticos, vamos dar ouvidos aos que arrancam os cabelos ao pensar em tudo o que eu falei e imaginar um mundo em que nenhuma empresa tem motivo para desenvolver jogos e o mundo fica completamente destituído de empresas que fazem jogos.

Conseguiu imaginar isso? Não? É claro que não. É um cenário impossível de acontecer. É ridículo!

Enquanto houver demanda haverá oferta e haverá alguma forma de se fazer dinheiro com isso. Se não é pela venda das “caixinhas”, será pela pré-venda. O que torna tudo até mais interessante: N pessoas tem que pagar para que um jogo tal seja desenvolvido. A empresa tem que apresentar um portfolio e mostrar-se idônea para conseguir tal financiamento. E tem que manter um histórico de agradar os jogadores se quiser continuar no mercado.

“Ah, mas e o emprego dos desenvolvedores?”, você pode estar se perguntando. E eu respondo: o mercado de trabalho já está mudando: os profissionais altamente qualificados tem se tornado mais “executadores de projetos” do que “empregados fixos”. Nada nessa vida é simples, eu sei, mas essa questão não me parece assim tão complicada.

Eu fico triste quando vejo que as pessoas perderam a noção do quanto um conjunto de pessoas pode conseguir se realmente quiser: os egípcios não reclamaram da falta de enormes guindastes quando construíram as grandes pirâmides: simplesmente as fizeram. E agora vem gente me dizer que ninguém mais vai escrever livros ou software se houver uma mudança na lei e, consequentemente, no modelo de negócios? Ah, me poupe…

7- Nós podemos começar hoje a colaborar para a evolução desse modelo

7.1- Como autores

Podemos começar essa conversa sendo sinceros: se você pretende ganhar a vida escrevendo, você já está “na roça”, igual aquele teu tio que sonha em ganhar a vida fazendo música. A probabilidade de você entrar na categoria dos que não conseguiram é enorme.

Para se ganhar dinheiro com alguma coisa é necessário ter algo que as pessoas querem. Há pessoas que querem ler um livro sobre o que você pode escrever? E mais: há pessoas que querem um livro sobre esse assunto escrito por você? Se a resposta é sim para ambas as perguntas, há esperança: pessoas podem pagar para você escrever antes mesmo de você escrever. Faça um “crowdfunding” ou algo assim.

E não se iluda: se as pessoas não pagam antes de você escrever, também não pagam depois de você escrever. Se não há quem pague um crowdfunding, duvido que haverá muito mais gente querendo comprar sua obra depois...

Se você concorda que é necessário eliminar o “direito” à exclusividade de distribuição, pode colaborar negando-se a assinar contratos que deem tal direito às editoras. Se elas se negarem, fuja delas.

Talvez isso envolva negar a possibilidade de ganhar, de fato, algum dinheiro. Mas sabemos bem disso: tudo tem um preço, e especialmente mudanças desse calibre que estou propondo.

7.2- Como consumidores

Em primeiro lugar, procure entender toda a questão antes de responder à pergunta “qual é o preço ideal de um e-book?”. Independente da conclusão a que chegar, procure desenvolver seu próprio senso moral com relação a isso.

Eu não vou, aqui, incentivar ninguém a fazer “ilegalidades”. O que eu quero, na verdade, é que as pessoas entendam que a desobediência civil costuma ser contra a lei, mas a favor da sociedade. Já foi proibido pela lei que pessoas “negras” usassem os mesmos bebedouros que pessoas “brancas”. Já foi proibido pela lei que judeus frequentassem determinados lugares. Já foi proibido pela lei que veículos automotores passassem “rápido demais” ao lado de cavalos! As leis mudam, mas a sociedade precisa mudar antes.

8- Linhas tênues

Talvez nós estejamos acostumados demais a glorificar os livros, ao ponto de não conseguir entender que o que os separa de outros tipos de publicações, como séries de artigos em blogs ou mesmo uma série de vídeos é meramente questão de formato. A essência é a mesma: conteúdo.

Não é curioso pensar que muita gente tem conseguido ganhar dinheiro com blogs, talvez com maior sucesso do que autores de livros? E, enquanto há alguns autores tornando-se extremamente ricos, há milhares de blogueiros e “youtubers” tornando-se “meramente não-pobres”.

Talvez o modelo da exclusividade de distribuição já seja comprovadamente um retrocesso e nós sequer atinamos para isso. Ou talvez estejamos tão presos a um modelo e uma legislação ultrapassadas que sequer conseguimos transcender essa mentalidade para vislumbrar uma situação diferente e talvez melhor para a sociedade em geral. Pensamos no George R. R. Martin publicando Uma Canção de Gelo e Fogo e ficando menos milionário, mas esquecemos dos milhões de empregos que poderiam ser gerados simplesmente por permitir que gráficas imprimam livros ou que novas editoras possam vender conteúdo além daquele que já é domínio público.

9- Resumo