Não há “propósito”
Você só começa a pensar em propósito nos momentos ruins da vida. Quando está de saco cheio do trabalho, quando o casamento vai mal, quando o carro estraga, quando só o que tem na mesa é um pão que já está meio velho.
Estando deprimido, vem logo à mente a ideia de que está faltando algo na sua vida, que talvez você deva procurar “o seu propósito”, que, encontrando-o, as coisas passariam a ter mais sentido, mais cor, mais gosto, mais graça.
Mas quando você está comendo uma boa costela com as pessoas que ama, quando o bônus do fim do ano é grandão, quando a mulher pede para fica abraçada em você, aí tudo está simplesmente bem e a cabeça não fica refletindo sobre qual é seu propósito, afinal.
E isso tudo é porque não há um “propósito” para a vida. Novamente: só o que existe para você é o agora. As pessoas que impactaram positivamente o mundo de alguma forma, mesmo que em algum momento tenham falado a respeito de algum propósito superior, na verdade estavam simplesmente fazendo o que acharam certo, o que seu caráter inevitavelmente faria, o que estava às mãos para ser feito em cada momento consecutivo. Essas pessoas estavam todas profundamente conscientes do agora e simplesmente seguiram aquilo que consideravam ser o correto, aquilo que lhes parecia bem, aquilo que se sentiam capacitados — às vezes até o que estavam simplesmente acostumados.
A Palavra de Deus também concorda com essa definição simples do que é a vida do homem:
E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar. (Gênesis 2:15)
A ideia de que o papel do homem era simplesmente lavrar e guardar o jardim combina perfeitamente com o que O Pregador acabou descobrindo depois de longa investigação:
Eis aqui o que eu vi, uma boa e bela coisa: comer e beber, e gozar cada um do bem de todo o seu trabalho, em que trabalhou debaixo do sol, todos os dias de vida que Deus lhe deu, porque esta é a sua porção. (Eclesiastes 5:18)
O homem lavra o jardim, as árvores dão bons frutos e ele os come, enche a barriga, se alegra com sua doçura e dorme. E não é mesmo para haver muito mais do que isso. Parece simples demais, mas é algo que é bom e belo e é o que nos foi ordenado (no sentido de ser como é a ordem natural das coisas).
Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus. (1 Coríntios 10:31)
O fim supremo e principal do homem, afinal, é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre. E embora seja inegável que Deus seja glorificado por meio de coisas extraordinárias, seria blasfemo imaginarmos que Ele não fosse glorificado também por meio justamente das coisas completamente ordinárias.
A busca por propósito, no fim das contas, acaba por tirar o gosto das coisas ordinárias: enquanto a mente não encontra o suposto motivo superior para fazer as coisas, nada parece ser bom o bastante, como se as coisas do agora fossem todas sem sentido. A luz imaginária do grande objetivo futuro projeta sombras de dúvida sobre tudo o que há de bom no agora, porque você passa a manter tudo em suspenso enquanto não tem a certeza de que aquilo que esteja fazendo faça mesmo parte do tal propósito.
O Senhor Jesus Cristo, sim, veio ao mundo com um propósito muito específico: morrer na cruz como propiciação pelos nossos pecados. Mas nós, embora o tenhamos como modelo, não morremos cada um na sua própria cruz, antes levamos constantemente esse único morrer de Cristo em nosso próprio corpo.
Trazendo sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também nos nossos corpos; e assim nós, que vivemos, estamos sempre entregues à morte por amor de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste também na nossa carne mortal. (2 Coríntios 4:10,11)
Para nós a morte de Cristo não aconteceu no passado e muito menos acontecerá no futuro. A morte de Cristo, para nós, acontece hoje, acontece agora, e assim também sua ressurreição.
Nosso propósito, portanto, é estar presente agora, é usufruir do fruto do nosso trabalho agora, é glorificar a Deus agora.
Não use os dons do presente como lenha no altar do futuro.